Olá, Columbina!
Estou lendo uma versão de sebo de "Adeus, Columbus", o primeiro conto famoso do Philip Roth, e a antiga dona do livro fez algo que eu odeio: sublinhou diversos trechos da obra, manchando-a.
Pior: ela faz questão de dar feedbacks de certas tiradas do Philip Roth. Já li: "WTF", "me impressionei", e "Eca!". Para cada uma de suas observações, poderia responder o mesmo: WTF, me impressionei e, de forma sonora, Eca!.
Três dias depois
Inegável mudança de percepção.
A moça (tenho certeza que a ex-leitora é uma mulher, pelo tom que imagino ouvir suas observações escritas) sublinha, percebo, todos os exemplos de prosopopeia do texto. Há um padrão: “Espuma morta", "imagem silenciosa", "cadeira veloz" etc, são exemplos de trechos que, sequencialmente, foram rachurados. Passo a achá-la uma mulher perceptiva.
As anotações e rabiscos começam a crescer em mim, pois me chamam atenção para certos detalhes de estilo do Roth para os quais, normalmente, não me atentaria. Como bônus, os comentários críticos e ácidos sumiram, o que me faz atribuí-los a alguma leitora pregressa, ainda mais imaginária.
Confesso que estou começando a me apaixonar pela leitora-misteriosa-que-sublinha-trechos-de-prosopopeia. Começo a imaginá-la e, tão distante, idealizo uma linda mulher, lendo e sublinhando Philip Roth com um afinco encantador. Contemplo, como se fosse real, seu rosto inclinado, vislumbro suas pernas cruzadas e uma sisudez expressa pelo afunilamento da boca; de perto, traços finos. Um cabelo curto, na altura do ombro, que se alonga pelas mãos em que enxergo uma caneta oval segurada com leveza, indo e voltando, fazendo os rabiscos que eu agora vejo.
A minha descrição, apesar de parecer discricionária, não o é. A forma do sublinhado no livro me diz tudo: a técnica utilizada para o riscado (a boa e velha régua, chuto) me dá certeza de que a misteriosa leitora é uma mulher que não admite nada ser menos perfeito que ela -- o que é xeque-mate pro meu coração, um apaixonado por perfeccionismos sem utilidade.
Os comentários questionáveis, outrora repugnantes, ora sumidos e, por mais que indiscutivelmente fora de local, também me trazem boas notícias: a donzela caprichosa tem senso de humor, o que me é tão caro (nesse momento, começo a fazer uma soma aritmética de qualidades: senso de humor, senso crítico, gosto literário, possível beleza, auto-estima elevada… e chego à conclusão de que estou, de fato, apaixonado).
Ela poderia namorar comigo. E eu, claro, poderia namorar com ela. Seríamos felizes. Talvez eu fosse ríspido demais no nosso convívio diário (quem usa onomatopéias para reagir a algo, possui, sem dúvida, uma empolgação exagerada diante da vida), mas nos daríamos bem. Afinal, amamos Roth – e nos amaríamos – e é isso que importa.
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