Único Amigo


Yan Mundim não só nos presenteia com suas magníficas histórias: ele também é presenteado. Especialmente quando faz aniversário, ocasião na qual sua extensa família se reúne para dedicar-lhe seus sinceros afetos. 

Yan é Yan; e não é à toa: basta olhar para sua árvore genealógica que entendemos a singularidade do nosso personagem. São músicos, comediantes, esportistas, atletas e professores, todos espalhados pelas diversas gerações mundimnianas (sic) e que, desde sempre, irradiam um pouco do que são para nosso Yan, quem espirituosamente absorveu cada excentricidade alheia como se sua fosse, formando sua incomparável personalidade.  

Tão criativos para a maioria das coisas, os Mundim deixam de lado essa qualidade quando o assunto é aniversário. Não importa quem os faça - seja a matriarca da família, Dona Jane, seja o neto quase-caçula, Yan Mundim - a comemoração é um rodízio de pizza familiar no Clube Novo Leblon.  

Evento fechado que se repete incontáveis vezes ao longo do ano, a Pizza dos Mundim é almejada por muitos e conquistada por poucos. Há quem diga que os jantares comemorativos são, inclusive, objeto de inveja entre alguns condôminos, que para si resmungam: “puxa, queria ter uma família igual à dos Mundim! Assim poderia comer pizza no clube todo mês!”. Esses amargurados, quando descobrem um evento que está por vir, ficam à espreita, comendo em mesas ao lado da reservada pela família, salivando para sentir um pouco daquela alegria. 

No último aniversário de Yan - que, diga-se de passagem, está naquela fase de retorno-ao-adolescente e precisa escancarar perante sua família sua autenticidade e autonomia -, ele decidiu dar uma nova tônica ao evento, regularmente só familiar, e convidou alguns amigos. 

Em sua cabeça, sua família já tinha comemorado eventos idênticos àquele diversas vezes nos meses anteriores, de modo que sua celebração em nada se diferenciaria das do primo Victor,  Tia Cláudia, e do sobrinho Mateus.  Onde ficaria Yan? Querendo personalizar seu dia, chamou o trio de parceiros: Leo Mattar, Rodrigo Conde e, claro, Vitor Paiva, pseudônimo de quem vos escreve. O convite fora feito à tarde de domingo, horas antes do evento, e todos os amigos toparam. A família, irresignada e ciumenta, logo deu de ombros e falou: então, tá; chame eles, se não somos o bastante.  

Apesar do atrito, o evento começou pontualmente às 20 horas. A família, experiente com o horário corriqueiro, já estava toda reunida na hora marcada. Yan, por sua vez, tremia. Estava ansioso pois a  realidade era que nenhum dos amigos tinha dado o ar da graça. Irritadiço, já resmungava para si: “será um dia como qualquer outro! não sou O Yan, sou um Mundim! Não aguento mais!”.

Pouco tempo depois, tudo realmente começa a desmoronar: Rodrigo, alegando estar lesionado, “desconfirma” sua presença, como se o jantar se tratasse de um evento esportivo. Sem tempo para Yan digerir a desfaçatez, Leo também diz que não poderá comparecer; lembrou-se que havia marcado de assistir um filme com sua namorada. 

Ambos não estariam presentes. O maior medo de Yan, parecia, tornar-se-ia real. Só restava Vitor, amigo fiel, mas que não havia se manifestado desde a confirmação da tarde. Por onde andava? 

Quando já resignado de que teria uma comemoração genérica, Yan surpreende-se e vislumbra, de longe, Vitor chegando. Havia mesmo um amigo?

Sim. O fiel companheiro se fizera presente. Yan poderia, finalmente, mostrar à sua família que tinha vida própria: era Yan. E Yan tinha amigos. 

Passado o tempo, depois de muito papo, chegou a hora dos parabéns, momento no qual a festa dos Mundim realmente acontece. São cânticos que fogem à regra: chama-se o aniversário de vagabundo, os convidados de abusados, e o aniversariante de palerma. Tudo é permitido, menos elogios e congratulações chinfrins. É a alegria pelo subversivo. 

Após os cantos vêm as fotos. São aproximadamente trinta e cinco netos, vinte e oito primos e quarenta e quatro irmãos, todos, sem exceção, fotografados. Por sorte, só há uma avó, e é nela que se centralizam as atenções: todos querem uma foto com a matriarca. A família toda posa com Dona Jane, como se não estivessem em um aniversário que se repete mensalmente, mas em uma rara sessão de autógrafos de uma atriz famosa.

Todos satisfeitos, parecia que o bolo seria partido. Mas a mãe de Yan, preocupada com os anseios de individualidade do filho, traz lembrança alvissareira:

“Yan! O Vitor! Tirem uma foto. Afinal, ele foi o único amigo que veio.”  

O baque estava dado. Numa toada só, uma das tias de Yan começa a entoar para que todos repitam:  

“Único amigo! Único amigo! Único amigo!”  

Era o momento da vingança para a família que havia sido considerada insuficiente. Todos, então, repetiram, e pôde-se ouvir o grito de “único amigo” por todo o condomínio. Yan e Vitor se abraçaram, um sorriso amarelo abriu-se, e as fotos foram tiradas. 

Moral da história: era melhor ter aceitado o que já era do que se esforçar tanto para ter só um amigo. Yan, enfim, reconheceu: quando tem pizza no clube, esqueça-me, não há Yan. Sou apenas uma Mundim.


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