O BOM LEITOR
Recentemente, lendo Amos Oz, me deparei com uma linda definição sua do que seria “o bom leitor”. O bom leitor, segundo ele, é aquele que procura o significado do escrito entre o livro e ele próprio. O mau leitor, em contrapartida, é aquele que procura o significado do escrito entre o livro e o autor - numa espécie de busca por fofoca: "de onde vem essa inspiração?” “por que o escritor se coloca dessa forma?” Algo nesse sentido, se me faço compreender.
A passagem do Amós Oz abriu meus olhos para uma concepção errada que tinha de mim. Sempre me considerei egoísta por gostar dos livros que comigo dialogassem. Os livros que mais gosto são aqueles nos quais mais facilmente me enxergo: no adolescente talentoso de Roth, no notívago carioca de Chico Buarque, no sexualmente reprimido e, ao mesmo tempo, impulsivo de Houellebecq… e por aí vai.
A verdade é que o exercício de se buscar num livro passa longe do egoísmo. E também é verdade que, mal ou bem, sempre acabamos por nos encontrar dentro de um escrito. Somos seres humanos, e entre nós sempre haverá semelhanças - mesmo que brutas e longínquas. Todos nós vamos ao banheiro. Todos nós já choramos. Todos temos inseguranças.
E essa é a beleza da literatura. Nos pôr em contato com a insegurança alheia e nela se enxergar. Distante do egoísmo, descobri que meus gostos são mesmo é empatia. Uma empatia que se encontra na percepção de que os nossos sentimentos não são tão nossos assim. Que as experiências se assemelham. Como se no livro houvesse um pedaço de nós que só descobrimos ao lê-lo.
Os livros, francamente, sempre serão sobre mim. Uns mais, outros menos. Mas seria mentira dizer que não me procuro neles. É o que faço.
Mas, em contrapartida, todos acabam por me apresentar uma parte do meu eu antes desconhecida, e que eu descubro pelos meus sentimentos.
E concluo, de forma piegas: talvez os sentimentos sejam a única universalidade que há.
OS MEUS ÍDOLOS
Acabei o último livro do Chico. De contos, rápido, direto. Uma delícia. Mas, sinceramente, qualidade pouco me importa. Não leio Chico pela boa prosa. Gosto de ler Chico para conhecer meu ídolo. Saber seus defeitos, suas iras, seus afãs vingativos. Existem coisas que só a literatura proporciona, como conhecer um ídolo em detalhes últimos.
A leitura atenta de um clássico me faz conhecer melhor seu autor do que muitos que dividiram com ele a existência. Falo isso retocado na humildade. É que o homem se faz nu na literatura, e quem o lê com afinco tem chance rara de captar essa nudez por ângulos especiais.
Vejamos no caso concreto: ao ler o conto "O passaporte", entrei em contato com um Chico raivoso, quase que amargurado. O conto da Clarice Lispector é ótimo também: meu ídolo também tem seus ídolos. Meu ídolo tem raiva. Meu ídolo se auto questiona. Meu ídolo é gente - e sabe explicar os seus trejeitos comuns.
Minha ambição é ter um pouco do meu ídolo em mim. E perceber a concretização dessa idealização, fazer sentir essa semelhança sutil, é um prazer inexplicável. Só a literatura, a música (a arte, em suma), proporcionam a aproximação do ninguém com o seu paradigma.
Me prometo que vou parar de me buscar no que leio, mas as palavras ficam pelo o que são mesmo: devaneios ao ar.
Acabo de comprar a autobiografia do Philip Roth, "Os fatos", em busca de mais algumas dessas semelhanças veladas, que me fazem crer que alguma coisa nessa vida eu posso ser.
EU e o MUNDO
É interessantíssimo parar para pensar como minha escrita mudou.
É um amadurecimento, óbvio. O nosso processo criativo e nossa escrita são a tradução quase que inconsciente da nossa personalidade e visão de mundo. Escrever é um ato pseudo (in)consciente, porque acaba escancarando nossas camadas mais "profundas", quase que de forma imperceptível, deixando no papel os sinais do que realmente somos e pensamos.
Isto porque, na literatura, tudo é escolha: a palavra que usamos (ou deixamos de usar), o tom e, até mesmo, o tamanho da sentença que se escreve. Há uma escolha literária presente em todo olugar, e essa escolha, quando bem examinada, é um ótimo indício de personalidade. Por exemplo, escritores como eu, pouco pacientes, têm dificuldade de escrever parágrafos longos. E escritores como eu, que dão primazia ao amor, não conseguem escrever sem citá-lo (como agora). Por isso, escrever é uma tradução do eu.
Portanto, por mais que se tente seguir algum estilo ou temática, a melhor escrita é aquela banhada pela honestidade e pela originalidade, representando a verdadeira personalidade de quem escreve.
Essa reflexão me veio após ler um livro de ensaios do Chico Buarque e reler relendo trechos de "Estorvo" e "Benjamin", o que me recordou do seguinte fato: eu tentava escrever como o Chico.
Meio revoltado, confuso (ele com propósito, eu achando que tinha), alegórico. Aquele, para mim, era Eu. Mas hoje sei que não é. O indivíduo que o Chico retrata em seus livros é um indivíduo puramente à mercê da fagocitose da sociedade capitalista em nosso século. Sem propósito e sem vontade. Engolido. Definitivamente, não é o mesmo indivíduo que gosto de retratar.
O Chico escritor coloca o indivíduo sempre como um "objeto" das forças sociais, retratando sujeitos amorfos e perplexos, como se qualquer esforço fosse inútil perante um sistema avassalador Eu não me expresso dessa forma. Tudo que eu escrevo parte da premissa de que ainda há um indivíduo.Um indivíduo forte, um indivíduo que sente, e, mais ainda, um indivíduo capaz de se manifestar diante desse “sistema avassalador”.
E o meu objetivo, que é retratar esse indivíduo que tem força e questões para lidar que independem qualquer questão externa, é melhor concretizado por meio de uma escrita clara, direta e sem muitos rodopios.O meu indivíduo não está à mercê. Ele age. Ele pode, mesmo que de forma limitada. Ele tem sentimentos próprios e específicos. Ele tem questões. Ele sente.
E eu busco retratar isso quando escrevo. Como agora. Eu sou um indivíduo.
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