Desviando
Estou
diante de um corredor escuro, longo, com portas que se sucedem, apertadas.
Acima delas estão os números. Todos pares, todos na casa dos duzentos, todos um
pouco quebrados. São velhos e necessitam de reparo. Estou no começo desse
corredor. 
Estou
no meio. O mesmo sem-número de portas que está na minha frente se repete às
minhas costas. Mesmo parado, consigo vê-las todas. A qualquer momento alguém
virá. Quem sabe pedirá para que eu gire uma das maçanetas. O que há lá dentro?
Quando
abro os olhos e percebo que estou na cama, respiro. Estou debaixo da coberta, o
ventilador velho gira lentamente em cima de mim, ela dorme ao meu lado e a
televisão ainda está ligada no mesmo canal que deixei quando fechei os olhos.
Esbarro no controle que fica na mesa de cabeceira. Ele cai no chão. 
É
domingo. Faz sol. Irei à praia. Ela topará me acompanhar de bicicleta até o
Posto 12, que fica mais vazio do que os outros e é mais perto da nossa casa.
Sem
praia. A previsão do celular diz que o sol é forte. O Posto 12 deve estar
lotado. Caminharei. Aviso-a que caminharei por perto da PUC e a convido para ir
comigo. Casamo-nos porque domingos existem.
Diz
que está com preguiça e pede para que eu a ligue caso eu mude de ideia e vá a
praia. 
Levanto-me,
faço café e o misturo com leite de amêndoas. Não como. Gosto de do corpo que
tenho ao acordar. Bebo a xícara. Escovo os dentes. Visto a pior roupa que tenho
e desço. 
Andando.
Quando
nos juntamos, ela o faz por caridade. Prestação de favor. Nem com as putas é
assim; ao menos com elas a troca é clara. Vejo casais de idosos passando. Não
chegaremos lá. 
Casamo-nos
há pouco, mas namoramos há muito. O pedido foi um impulso, feito fora do
Brasil. Fiquei sensibilizado com um dia perfeito e pensei que poderia vivê-lo
para sempre. Vivemos outros dias.
Tenho
a oportunidade de observar outras pessoas. Talvez puxar conversa com alguém. Tirei
a aliança ao sair de casa e a coloquei no bolso do short. Ninguém me achará
infiel.
Não
confio na minha memória para obter a verdade do passado, mas lembro de ser
promissor. Tenho trinta e três anos e sinto como se estivesse encolhendo. 
Olho
meu relógio: mais de dez horas. Penso em ligar, mas temo seu tom desanimado. Sigo.
São
lindas as casas do Alto Gávea. Aos vinte e três anos estava certo de que
moraria numa delas. Era questão de tempo. Talvez seja de mais tempo do que
pensei – sigo longe de me tornar vizinho do Chico Buarque. Ela tem mais sucesso
na venda de suas esculturas e encomendas do que eu com o escritório. Será que meu
rancor não é recalque de quem foi prometido o mundo e nada recebeu? 
Retorno.
Decido
que a convencerei a sair para almoçarmos. Custe o que custar. Iremos ao
restaurante japonês que fica aqui na rua e frequentávamos à noite, tarde da
noite, quando ficávamos na casa dos meus pais quando eles viajavam. Reviver.
Poucos
passos antes da esquina da rua, surge, do outro lado, uma amiga. 
Nanda.
Tento
me esconder sem aliança, mas não consigo – ela acena de longe e, olhando para
os dois lados antes de atravessar, me interrompe. Escondo minha mão no bolso.
Acabou
de se mudar para Gávea; está recém-divorciada; o motivo da separação fora a
dissonância quanto aos filhos. Não pergunto qual dos dois não os queria. Não é
problema meu. 
Nanda,
alta, continua com um rosto branco, os lábios brancos, dentes brancos, a córnea
branca e a íris bastante verde. Cabelos pretos. Queixo pontiagudo. Diz-me: 
–
Voltei à Gávea para voltar, também, a mim.
Sorrio
para a frase. É minha resposta. Despeço-me com uma das mãos. Ela não abaixa a
dela e me vê de costas.
Deve
pensar que fujo. Está certa.
Estou
no elevador. Não sei se quero subir. Talvez desça e vá atrás de Nanda. Talvez
desça e continue a caminhar.
Estou
na cobertura. Passo pelo corredor. Luzes acesas. Uma, no meio do teto, pisca. Portas
fechadas. A minha está aberta. 
– Fiz café da manhã para nós dois. 
A
cadeira me espera, virada. 
Sento-me.
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