I. I. A minha piscina
É
dezembro. O sol bate verticalmente na piscina, como uma flecha que se espalha pelo
chão. Após meses inúteis, sirvo. Férias escolares. Crianças e aqueles que ainda
não sabem se são crianças, adolescentes ou adultos chegam. A piscina é o seu
lugar.
Entram
de manhã, almoçam no restaurante anexo ao espaço, e, com os dedos enrugados de
água clorada, mergulham as mãos em batatas-fritas, quibes e demais frituras
imersas no óleo do dia anterior, do mês anterior – não sei, do verão anterior –
para logo depois passá-las nas sungas e bermudas, brilhando-as, e retornar à
piscina. Normalmente, fica a maioria até o meio da tarde, por volta das três, quando
o sol se esconde atrás de um dos prédios que cerca a área.
Sou
guarda-vidas e admito que a mudança de nome da minha profissão faz sentido.
Gradualmente, deixei de ser chamado de “salva-vidas”, que deu lugar a “guardião
de piscina”. Mais honesto. Abro e fecho os chapéus nas mesas, limpo-as, arrumo
as cadeiras, organizo as espreguiçadeiras e, ao final, me despeço jogando cloro
na piscina. Um guardião da piscina.
Dias
agitados, funções organizacionais, lidar com o caos. Mentira.
Passo
o dia sob uma cadeira branca, suspensa por longa perna de madeira também
branca, que me coloca no ponto mais alto. De lá, apuro o que acontece nas
quatro piscinas – uma para bebês; outra para crianças de até sete ou oito anos;
uma intermediária; e outra semiolímpica, utilizada, na maior parte do tempo,
para aulas de natação. Durante a semana, apenas a última recebe visitantes. A
do meio até tem público pela manhã – velhas fazendo hidroginástica (devem
urinar toda a piscina sem perceber) –, mas é só. O triplo de pessoas me visita no
verão, e eu prefiro assim. Não há considerável aumento de trabalho. Mas há o
que fazer.
Ocupa-me
o tempo.
II.
Chegada
Em
novembro, vejo-os pela primeira vez.
Distante,
assumo que têm perto dos vinte anos, talvez menos. Não mais. Ela, apesar disso,
é mulher. Seu biquini azul é coberto na parte debaixo por uma canga branca, mas
não transparente, com alguns bordados também azuis em formato de objetos
marítimos. Morena, com duas espinhas, uma em cada bochecha, e um olhar devoto. Descrevo-a
pela memória, e não pela primeira impressão.
Ao
seu lado, o rapaz que transformei em Tadzio. Alto, loiro, nariz fino e
pontiagudo, boca delineada e um corpo sem academia, mas como se tivesse sido
esculpido lá. De bermuda larga, não como um surfista desleixado, mas como um
quem nunca precisou da moda. Usava chinelos. Éramos três procurando formas de
ocupação.
Naquele
dia havia um evento infantil à tarde na piscina. Quantos jogos as crianças têm
capacidade de inventar; na minha época era só Marcopolo. Invejo-os. Seus dias tomam
o tempo de um minuto.
Partiram
perto das cinco. Biquini azul, canga, sorriso. Chinelo de dedo, bermuda larga,
cabelo emaranhado.
Guardei-os
comigo.
III.
O outro dia
Demorei
para vê-los de novo. Alguns dias se passaram e outros vieram.
Alguns
mais velhos, outros mais novos, poucos na idade deles. Depois de sentir falta,
pensei que não voltariam jamais. Voltaram em janeiro.
Diferentemente
da primeira vez, foram um dos primeiros a entrar. Estranhei. Não teriam nada
melhor para fazer tão cedo?
Deixaram
suas bolsas em uma mesa perto da semiolímpica, que guardava uma de suas raias
para banhistas. Ouvi o barulho da água. Mergulharam num salto. Pararam no ponto
da piscina que me escapava, o canto inferior direito do retângulo, escondido
por uma elevação entre as águas.
Não os vi, mas ouvi. Gargalhavam, jogavam água
um no outro, batiam na superfície com os braços. Às vezes, ouvia o barulho de
mergulhos e indagava o que escondiam debaixo d’água. Aliviava-me o som dos corpos
emergindo.
Ficaram
em silêncio. Imaginei o que podia. Quando não mais aguentei, decidi levantar e
fingir uma ronda.
Logo
que desci, vi-os deixando a água. Ele, tríceps marcado e as mechas do cabelo
molhado encostando a nuca. Ela o seguiu. Para manter o disfarce, andei.
Já
do outro lado, perto das suas mesas, olhei-os deitados nas espreguiçadeiras,
olhos fechados para o sol. Poderia detê-los com o olhar. Quase o fiz: pés
magros, tornozelos com fitas de pano, pelos nas canelas.
Respeitei-os.
Após
o almoço, regressaram. Dessa vez, planejei melhor. De manhã haviam ficado duas
horas — agora, ficariam mais uma.
Na
extremidade oposta, vi uma espécie de lixo jogado no chão. Alguma coisa
vermelha. Talvez uma lata de Coca Cola amassada, ou uma embalagem de um picolé
gordo. Devo limpar. Levantei-me.
Passei
à esquerda. Hesitei. Cruzamos os olhos. Cheguei a pensar que cochichavam sobre
mim. Segui corado.
Era
mesmo uma embalagem de picolé vermelha – me inclinei para pegar e lambuzei as
mãos. Limpando-as uma na outra, andei.
Em
vez de voltar, contornei a piscina. Eles tinham dois lados.
Chegando
perto, faziam silêncio. Olhos mutuamente detidos. Ele, encostado na parede.
Ela, à frente. Aproximavam suas mãos e as encaixavam. Seus cotovelos dobravam, atraindo-se
apenas para, antes de se encostarem, esticarem os braços e repelirem-se. Repetiram-se
no movimento.
Tornei-me
um deles: passos para trás e para frente.
Quando
uma boca se aproximou da outra, não resisti. Encarei. Os lábios finos de
Tadzio, os lábios grossos dela. Um encaixe natural.
–
Tá olhando o que?
Parado,
pisquei. Um segundo. Dois. Minhas pernas não obedeciam.
Desloquei
meus olhos para a piscina do meio. Crianças e velhas. Caminhei de forma
inconsciente – quem se mexia era o chão.
Já
os tendo ultrapassado, senti-o virar sua cabeça para mim, mexer a boca. Talvez
tenha gritado – mas eu era surdo.
Torci
para que não levantasse da piscina – aquele Tadzio –, corresse estabanado, cutucasse-me
nas costas e, olhando-me de frente, segurando no colarinho da minha camisa, me
perguntasse:
–
“Ein! Tá olhando o que? Porque?”
Por
que não o fez?
Cadeira
escalada. Salvo.
Embaixo,
hidroginástica. Ao lado, crianças.
Na
frente, um novo casal na catraca.
Em
seu canto, Tadzio e ela desapareceram.